SOBRE BESOUROS E AMANTES

E um raro besouro dourado batia à janela insistentemente. Com essa frase Neto concluiu, em tom misterioso, seu relato sobre uma famosa vivência de Jung: uma paciente lhe conta que sonhou com um escaravelho dourado. “Símbolo de renascimento, para os antigos egípcios”, pensa ele. E um barulho na janela interrompe o vôo de seus pensamentos. Ele se volta e, perplexo, um raro besouro dourado batendo no vidro, insistindo por uma chance de entrar.

O que entrou, e para a história, foi um exemplo perfeito de sincronicidade.

Rosa ouve Neto e se vê com besouros atrás da orelha. Espreita discretamente a janela, acalenta zunidos...

Ela havia contado a ele algumas experiências suas desse gênero, por isso ele lhe falou de Jung. Ficou feliz por fazerem sentido para alguém e — melhor ainda — por poder ouvi-lo, com seu jeito bom de aprofundar-se com simplicidade, adentrando seus mistérios e ousando brincar com ela de desvendar os da humanidade.

O filme que veriam naquela noite foi que motivou o assunto: Os amantes do Círculo Polar. Nele não faltavam idéias circulares e sincronicidades. Corpos colados, lamentaram seus nomes não serem palíndromos, como os dos amantes do filme, mas... Tantas eram as outras coisas em comum! Colecionavam palavras perdidas no tempo, plenas de aconchego e poesia, e recolhiam-se nelas até que se calassem os besouros da mente. Amantes? Talvez. Giravam, giravam... E acabavam juntos, compartilhando a coleção, o silêncio e a nudez da próxima cena.

No dia seguinte, Rosa entrou na Livraria Cultura apenas à procura de outro filme que lhe havia sido recomendado.

Mesmo tendo alguma pressa, não resistiu e embrenhou-se pelas estantes de livros, tentando convencer-se de que seria só de passagem.

Pegou um livro de título desconhecido, gosta de surpresas.

Ao abrir aleatoriamente o livro, uma surpresa de eriçar os pêlos: deparou com a mesma história do besouro de Jung ouvida na noite anterior.

Desta vez teve medo de levar os olhos à janela.


Conto: Esther Alcântara - out./2008
Foto: João Sargo - Imagens Google (recorte)

Ps.: Este conto está concorrendo no concurso Contos da Cultura, que tem como um dos regulamentos a citação da Livraria Cultura.

2 comentários:

Laura_Diz disse...

Gsoto mto deste teu conto, ficou mto bonito.
Bj Laura

Anônimo disse...

ficou muito legal .. o texto e com um certo tom de suspense .. rsrs

Parabéns..

Abç.