Nada além, nada além de uma ilusão...

Alguém me disse que os olhos são a janela da alma. E quando aquela alma debruçou na janela, eu era o parapeito pronto a receber seu peso e consistência. Nada mais me importou, nenhuma palavra boa ou duvidosa poderia dizer algo mais importante do que o descortinado por aquele olhar.
Acostumei-me a passear todos os dias sob essa janela e a oferecer-me para novamente apoiar sua densidade, agora minha mais grata descoberta. Mas como lhe falta tempo para esse doce debruçar na janela, brinco de ilusão: espio pelas frestas da morada em uma imagem que traz o seu mirar e aprecio furtivamente seu interior. Finjo por instantes que essa morada se descortina pra mim, que se abre espontaneamente, que é possível que sua sensibilidade alcance o meu olhar debruçado em minha janela a lhe espiar de longe, que nosso entorno é só entorno, que minha alma também alcança seu peito, um parapeito quente e ávido de sentir.
Quando me refaço, há apenas uma foto em uma tela de computador. Meu peito dói e em meus olhos o que debruça é uma alma dolorida e líquida, sem parapeito perfeito e ardente para não deixá-la assim, a escorrer.
Já sem alento, mudo o foco, miro o horizonte e assobio uma antiga canção: Nada além, nada além de uma ilusão...

Texto: Esther Alcântara
Imagem: Moça à Janela (Salvador Dalí)


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