SOBRE AMORES E TRANSPOSIÇÕES


Amar alguém, para mim, está totalmente ligado a admirar essa pessoa. Por isso, quando um relacionamento meu se rompe, a dor é ali no momento da ruptura, não algo que se perpetua. Coisa boa que a maturidade faz é ensinar a gente a não arrastar o que é pontual, não amargar tristezas, não regar solidão. Se o outro rompeu e eu o amo ainda, faço o movimento de ler a situação - o outro não é mais aquele que um dia admirei e que me admirou; é um ser com um novo olhar para mim e para o mundo; será que ainda o admiro também, se ele é outro? Será que ainda sou a mesma? Até hoje, nunca a resposta foi positiva depois dessa análise. Sim, posso continuar admirando como ser humano, mas falta a admiração por características básicas para parceria de relacionamento. Então, é hora de reconhecer a ruptura como profunda, de fazer o movimento de transposição. Contemplo a fissura no caminho sem ignorar as pontes possíveis. E a ponte mais significativa está sempre em meus ideais particulares, meus valores, as coisas que significam para mim, minha singularidade... Tudo aquilo que guardo em meu relicário de vida. Solidão? Ah, sinto, sim - mas quando penso na minha mãe e no meu pai, que já se foram. Para essa ruptura não há ponte, para essa solidão não há transposição, pois, por mais estrutura que tenham me dado para viver sozinha, eram meu alicerce de amor, minha única certeza emocional (nada racional, paradoxalmente). Só sinto as pernas bambas de insegurança quando lembro que não tenho mais o abraço deles a minha espera. Para mim, só pai e mãe são intransponíveis. E sou grata a Deus e à vida por ter tido pais sobre quem posso pensar dessa forma. Amanhã é meu aniversário, deve ser por isso que estou assim tão nostálgica quanto a origens e alicerces. Meu pai e minha mãe não só me deram a vida, mas me ensinaram a ser forte e a me amar sempre, a crer que, como filha do Deus de amor, sou digna de todo amor - e de nada que seja menos que isso.



- Esther Alcântara

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